Fone de ouvido na corrida, quando usar?
- Caio de Carvalho Loureiro

- 30 de set.
- 3 min de leitura
“O erro não está em usar música. O erro está em não saber quando ela atrapalha.”
A música engana o cérebro
A música pode ser uma maravilha, mas também uma armadilha. Ela engana o cérebro, mascara a dor, distrai da fadiga e dá a sensação de que o treino está mais leve do que realmente está. É como ter um amigo animado te empurrando para frente, mas que ao mesmo tempo te impede de perceber erros na passada, na respiração ou nos limites seguros de ritmo.
Quando usada em excesso, pode gerar dependência. O cérebro passa a esperar aquele estímulo externo para aliviar o desconforto. Se em uma prova ou treino decisivo o fone não estiver presente, pode faltar aquele “turbo mental” e a percepção de esforço parecer mais dura do que realmente é.
Correr ou treinar corrida?
Correr é sair para se movimentar, fazer uma rodagem leve, um regenerativo ou até mesmo um longão confortável. Nessas situações, o que conta é a constância e o prazer da prática, e a música pode ser uma boa aliada.
Treinar corrida, por outro lado, envolve treinos de qualidade como intervalados, séries em pista, fartleks ou simulações de ritmo. Aqui, o objetivo é provocar adaptações fisiológicas e desenvolver performance. Esses treinos exigem atenção plena: ritmo, passada, respiração e sinais de fadiga precisam ser monitorados. É justamente nesses treinos que a música costuma atrapalhar.
O que a ciência já mostrou
Uma revisão que analisou 139 pesquisas com cerca de 3.600 participantes apontou que a música tem efeitos positivos moderados no desempenho, melhora o humor, reduz a percepção de esforço e até influencia no consumo de oxigênio durante o exercício (Effects of Music in Exercise and Sport: A Meta-Analytic Review).
Outros estudos indicam que músicas escolhidas pelo próprio corredor reduzem a percepção de esforço, mesmo que a melhora no tempo final nem sempre seja significativa (Self-Selected Motivational Music on the Performance and Perceived Exertion of Runners).
Esses achados explicam por que treinar com música parece mais leve, mas também deixam claro que o efeito depende do contexto e do objetivo.
Motivação ou distração?
O maior benefício da música está na motivação. Ela ajuda a sustentar o volume nos treinos fáceis e dá sensação de companhia, especialmente para quem corre sozinho.
O risco é a distração. Respiração, passada e sinais de fadiga podem passar despercebidos, aumentando o risco de lesão ou comprometendo a segurança em ruas movimentadas. A dependência psicológica também pesa: se o corredor só rende com música, terá dificuldade em provas que não permitem fones.
Quando usar e quando evitar
A música é uma boa escolha em treinos regenerativos, rodagens leves e longões fáceis. Também pode ser útil em dias de baixa motivação. Podcasts seguem a mesma lógica: ótimos para treinos longos e tranquilos, mas ruins para treinos de intensidade.
Já em treinos de intensidade, tiros, fartleks ou simulações de prova, o ideal é correr em silêncio. Esses treinos exigem concentração total, e qualquer distração compromete ajustes de intensidade e percepção corporal.
Em provas, a decisão depende da meta. Se for curtir a experiência, a música é bem-vinda. Se o objetivo é performance, o silêncio costuma ser mais estratégico.
Como usar de forma inteligente
Uma estratégia interessante é ouvir música apenas no aquecimento e no desaquecimento, deixando a parte principal do treino em silêncio. Outra possibilidade é alternar dias com música e dias sem música ao longo da semana, aproveitando o lado motivador sem perder a sensibilidade corporal. E, por segurança, é sempre importante manter o volume baixo ou usar fones de condução óssea para não perder a percepção do ambiente.
Conclusão
A música é uma ferramenta, não uma estratégia. Ela pode dar prazer, ritmo e motivação, mas também pode roubar atenção. Usada sem critério, vira muleta. Usada com inteligência, vira aliada.
Na corrida, atenção é performance. O segredo não está em abolir a música, mas em aprender a correr bem tanto com ela quanto sem ela.
No fim das contas, não é a playlist que define a evolução, e sim a tua capacidade de ouvir o corpo.


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